Ação de Indenização por Dano Moral (Racismo)

26-05-2011 21:54

 

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ CÍVEL DA COMARCA DE JOINVILLE-SC.

                                     

 

 

 

 

 

 

  

”A verdade para um homem é o que faz dele um homem.”
 (SAINT-EXUPÉRY)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                      FULANO DE TAL, nacionalidade, estado civil, profissão, inscrito no CPF/MF sob o número ____________ e R.G. nº _________, com endereço sito à Rua ________, nº ____, Bairro ________, na cidade e Comarca de Joinville-SC, por sua procuradora infra-assinada, inscrita na OAB/SC sob o nº 19.436, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência propor a presente:

 

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR

DANO MORAL MOTIVADA POR RACISMO

                                    Em face de: 

 

                                    FULANO DE TAL, nacionalidade, estado civil, profissão, portador da cédula de identidade n.º _________, inscrito no CPF/MF sob o n.º _________________, residente e domiciliado na Rua _________, nº ____, Bairro ______, CEP ______, nesta cidade e Comarca de Joinville-SC, pelos fundamentos de fato e direito expostos a seguir:

 

 

                                               DOS FATOS


                                      No dia _____/______/_____, por volta das ___:___ horas da madrugada, quando se encontrava se encontrava de serviço como policial na viatura ______, com seus colegas Soldado Tal, Soldado Tal e Soldado Tal, o Requerente foi ofendido violentamente em sua honra subjetiva, pelo Requerido, que na presença de testemunhas passou a dirigir-lhe, em altos brados, as palavras abaixo transcritas, com a intenção malévola de produzir INJÚRIA E RACISMO:

 

MACACO;

FILHO DA PUTA;

POLICIAL DE MERDA;

 

                                      O ilícito ocorreu em função de que a FUNDEMA órgão que regula as questões ambientais na cidade de Joinville, após receber denúncia de vizinhos que um “bailão” no qual o Requerido administrava, a sociedade Tal Tal, estava com som muito alto.

                                       A FUNDEMA, precisava interditar o local, após medir a altura do som, e para isto pediu apoio policial vindo então a viatura em que o Autor estava de serviço a prestar tal apoio.

                                       No momento em que os policiais após ordem da FUNDEMA deram por encerradas a atividades do local e tentaram fechar o estabelecimento, Requerido empurrou um dos fiscais da FUNDEMA na altura do tórax.

                                       Ainda o Requerido tentou fechar a porta que dava acesso ao local tentando impedir a entrada dos fiscais da FUNDEMA e da polícia.

                                       Foi então que os policiais usaram de força necessária e moderada para adentrar ao “bailão” e retirar o Requerido da porta e continuar o trabalho de interdição do local.

                                       Foi nesse momento que o Requerido passou a falar as palavras acima transcritas em desfavor do Autor, sendo que o Autor deu voz de prisão ao Requerido, vindo este a resistir à prisão, sendo então novamente necessário usar de força moderada para algemá-lo e conduzi-lo à delegacia.

                                       Vale ressaltar que o Requerido realizou o Exame de Corpo de Delito e nenhuma marca ou lesão foi encontrada no mesmo, comprovando que o Autor usou das técnicas policiais necessárias para efetuar a prisão ao Requerido.

                                       Pela sua gravidade, o fato foi levado ao conhecimento da autoridade policial, registrada a ocorrência sob o n.º ___________, e aditada sob o n.º ____________, na Central de Polícia de Joinville, bem como, oferecida queixa-crime perante o Juizado Especial Criminal, a fim de ser apurada a responsabilidade penal, conforme fazem provas as cópias em anexo.

                                       Justifica-se o direito à indenização por dano moral, tendo em vista que o Requerido transformou sua irritação em desrespeito e desprezo pelo Requerente, manifestando um juízo de valor depreciativo com relação à sua etnia, além de insultá-lo com expressões de baixo calão, ofendendo, assim, a honra subjetiva e a reputação do Requerente.

                                      O abalo moral que o requerido causou ao requerente, afetando o seu bem-estar íntimo e os seus sentimentos, seja pelas manifestações de preconceito de cor ou pelo emprego de expressões chulas, configura o ilícito como fato gerador de responsabilidade civil, a fim de minimizar o sabor amargo da humilhação sofrida pelo requerente.

                                      Ao utilizar as expressões transcritas acima, o requerido demonstrou nutrir um profundo sentimento de hostilidade em relação ao requerente, fruto da idéia preconcebida de que por pertencer este a uma etnia da raça humana diferente da sua, não poderia fechar seu estabelecimento comercial que trabalhava de forma totalmente ilegal.

                                      No conceito depreciativo do requerido, portanto, tais posições não poderiam ser ocupadas pelo requerente, como se fosse possível imaginar que as diferenças étnicas das pessoas possam afetar sua inteligência e aptidões em geral, erigindo-se em obstáculo à igualdade social.

                                      Sabe-se que a evolução dos direitos humanos relativos à raça, tem merecido a especial atenção do povo brasileiro, de tal maneira que a Constituição Federal, no seu art. 5.º, inciso XLII, assim dispõe, in verbis:

 

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à prosperidade, nos termos seguintes:
 XLII - A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

 

                                      No plano jurídico, várias leis seguiram-se, após a Lei Áurea, que em 13 de maio de 1888 aboliu a escravatura, v.g.: Lei n.º 1.390, de 3 de julho de 1951, que inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça e cor; a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 13.05.97, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor; merecendo destaque, no plano constitucional, que atesta ser dever do Estado preservar e garantir a integridade, a respeitabilidade e a permanência dos valores.

                                      No entanto, decorrido mais de um século da abolição da escravatura, ainda se verifica um ranço de discriminação racial na sociedade, chaga infelizmente ainda aberta entre nós, apesar de tantas lutas e percalços vencidos, em busca de uma vida mais justa para os negros. É comum vê-los, ainda hoje, subliminarmente, continuarem a sofrer preconceito, muitas vezes aceitando passivamente essa situação, temendo maiores desgastes, tais como perdas pessoais e profissionais, o que não se harmoniza sequer com a idéia da igualdade do homem diante de Deus.

                                      A questão é complexa, e por certo o simples tratamento normativo não será suficiente para resolver o problema, haja vista que a lei jamais constituirá uma ordem social igualitária em todos os seus aspectos, sendo óbvio o reconhecimento das diferenças, as quais, no entanto, não estão a serviço de propostas discriminatórias, carecendo, pois, de uma providência não apenas daqueles que são responsáveis pelo destino da nação, mas também por parte dos que pretendem estudar a complexidade das estruturas sociais, visando a apresentação de novas propostas compatíveis com uma postura ética que possibilite a tão almejada igualdade de direitos entre as pessoas, por si, desiguais.       
                                      A falsa idéia da posição inferior dos negros tem sido cultivada pela estrutura educacional implantada no país, por isso deve ser afastado o nefasto véu da ignorância que leva as pessoas a explorar as circunstâncias naturais e sociais que dificultam a sua ascensão na sociedade brasileira, inclusive porque mesmo entre eles são poucos os que conhecem a origem de sua civilização e cultura, face à carência de informação no modelo da escola tradicional burguesa.

                                     Sobreleva expender que somente através do conhecimento de sua verdadeira história poderá o negro exigir do poder estatal, o modelo ou o quadro institucional que possibilite o respeito aos seus direitos fundamentais, dentre os quais avulta a proibição efetiva da ´´discriminação racial´´, expressão que tem sido universalmente albergada, embora na realidade o que há são ´´etnias´´, já que ´´para seres humanos, raça existe apenas uma: a humana. O que há são etnias - o negro, por exemplo, pertence a uma das etnias da raça humana´´ (in, ´´Racismo cordial, a mais completa análise sobre o preconceito de cor no Brasil´´, org. CLEUSA TURRA e GUSTAVO VENTURI, Folha de São Paulo/Data Folha, São Paulo, Ed. Ática, 1995, p. 23).
                                    Sabe-se das dificuldades a serem enfrentadas em todos os planos, porém, como ensina JOHN RAWLS: ´´A justiça não exige que os homens permaneçam inertes, enquanto outros destroem os fundamentos de sua existência´´ (in, ´´Uma Teoria da Justiça´´, trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves, São Paulo, Editora Martins Fontes, 1997, p. 237).
  

O ILÍCITO COMO FATO GERADOR DE RESPONSABILIDADE

    

                                       O convívio em sociedade deve se pautar pela observância de regras atinentes ao ´´neminem laedere´´ (a ninguém se deve lesar), não só no plano material, mas também no moral, portanto, se comprovado o dano em qualquer dessas esferas, é cabível a indenização.
                                       Relativamente à teoria da responsabilidade, cumpre trazer o escólio de CARLOS ALBERTO BITAR, in verbis:
 
 ´´o ser humano, porque dotado de liberdade de escolha e de discernimento, deve responder por seus atos. A liberdade e a racionalidade, que compõem a sua essência, trazem-lhe, em contraponto, a responsabilidade por suas ações ou omissões, no âmbito do direito, ou seja, a responsabilidade é corolário da liberdade e da racionalidade.
 Impõe-se-lhe, no plano jurídico, que responda (do latim ´´spondeo´´ = ´´responder a´´, comprometer-se; corresponder a compromisso, ou a obrigação anterior´´) pelos impulsos (ou ausência de impulsos) dados no mundo exterior, sempre que estes atinjam a esfera jurídica de outrem.
 Isso significa que, em suas interações na sociedade, alcançar direito de terceiro, ou ferir valores básicos da coletividade, o agente deve arcar com as conseqüências, sem o que impossível seria a própria vida em sociedade.
 Nasce, assim, então, a teoria da responsabilidade, que se espraia por dois campos distintos, consoante os bens jurídicos ofendidos e o respectivo vulto na escala de valores do direito posto: o civil e o penal. Nestes, certas ações são definidas como ´´crimes´´ ou ´´contravenções´´, sujeitando o agente a sanções, especialmente de caráter pessoal, cerceadoras de sua liberdade, mescladas ou substituídas por vezes, por imposições patrimoniais. Naquele, o agente pode ser compelido, pelo prejudicado, a reparar o dano causado, restaurando o equilíbrio que sua ação rompeu.
A idéia central, inspiradora dessa construção, reside no princípio multissecular do ´´neminem laedere´´ (a ninguém se deve lesar), uma das expressões primeiras do denominado ´´direito natural´´.
Deter-nos-emos na responsabilidade civil, que, em nosso entender, constitui a obrigação pela qual o agente fica adstrito a reparar o dano causado a terceiro.
Na origem dessa figura está a noção de desvio de conduta. Ou seja: a teoria da responsabilidade civil foi edificada para alcançar as ações praticadas em contrário ao direito (tomado no sentido de ´´directus´´ ou ´´rectus´´, isto é, reto, em linha reta).
Com efeito, das ações que interessam ao direito, umas são conformes, outras desconformes ao respectivo ordenamento, surgindo daí, os ´´atos jurídicos´´, de um lado, e os ´´atos ilícitos´´, de outro, estes produtores apenas de obrigações para os agentes.
Entende-se, pois, que os atos ilícitos, ou seja, praticados com desvio de conduta - em que o agente se afasta do comportamento médio do ´´bonus pater familias´´ - devem submeter o lesante à satisfação do dano causado a outrem.
Mas, em sua conceituação, ingressam diferentes elementos, tendo-se por pacífico que apenas os atos resultantes de ação consciente podem ser definidos como ilícitos. Portanto, à antijuricidade deve-se juntar a subjetividade, cumprindo perquirir-se a vontade do agente. A culpa ´´lato sensu´´ é, nesse caso, o fundamento da responsabilidade.
Assim sendo, para que haja ato ilícito, necessária se faz a conjugação dos seguintes fatores: a existência de uma ação; a violação da ordem jurídica; a imputabilidade; a penetração na esfera de outrem.
Desse modo, deve haver um comportamento do agente, positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste. Esse comportamento (comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência, ou imperícia), contrariando, seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato).
Esse comportamento gera, para o autor, a responsabilidade civil, que traz, como conseqüência, a imputação do resultado à sua consciência, traduzindo-se, na prática, pela reparação do dano ocasionado, conseguida, normalmente, pela sujeição do patrimônio do agente, salvo quando possível a execução específica. Por outras palavras, é o ilícito figurando como fonte geradora de responsabilidade.
Deve, pois o agente recompor o patrimônio (moral ou econômico) do lesado, ressarcindo-lhe os prejuízos acarretados, à custa do seu próprio, desde que presente a subjetividade no ilícito.´´
(apud, STOCO, Rui, ´´Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 2ª. ed. rev. e ampl., São Paulo, Editora dos Tribunais, 1995, p. 48/49). 
 

 

 

DO VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
  
                                             Trata-se de questão assaz controvertida, a merecer criteriosa atenção dos operadores do direito, entendendo a doutrina (RIPERT) que na fixação do quantum reparador, na hipótese dos danos morais, a melhor norma seria a que permitisse ao juiz exercitar, de maneira plena, seu poder de apreciação.
  
                                            Lecionando sobre o tema, o eminente jurista e Ministro do STJ, PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE afirma:
 
 ´´QUANDO O DANO MORAL RESULTA DE OFENSA À HONRA NÃO HÁ MAIOR DIFICULDADE. O CRITÉRIO ESTABELECIDO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 1.547 DO CÓDIGO CIVIL CONSTITUI UM BOM PARÂMETRO. LEVANDO-SE EM CONTA QUE A MULTA CRIMINAL HOJE TEM CERTA EXPRESSÃO, É PERFEITAMENTE POSSÍVEL FAZER-SE APLICAÇÃO ANALÓGICA DO QUE ALI SE CONTÉM. ALCANÇAR-SE-IA HOJE INDENIZAÇÃO DE ATÉ 3.600 SALÁRIOS MÍNIMOS, SOMA BASTANTE SIGNIFICATIVA.´´ (in, ´´O Dano Moral no Direito Brasileiro´´, rev. el. Teia Jurídica).
  
                                 Nesse sentido, tem-se que a fixação do montante indenizatório deverá ser fixado considerando-se a extensão do dano, bem como, a capacidade sócio-econômica e financeira das partes, sendo que tais condições encontram-se claramente delineadas nos autos, podendo o julgador aferi-las no momento oportuno, se necessário. 
                                Por fim, impõe-se ressaltar o indescritível sofrimento da requerente, face à humilhação pelo ato ilícito discriminatório praticado pelo requerido, inclusive com pronunciamento de palavras de baixo calão, atingindo-a, portanto, no que ela tem de mais caro: a honra
                                   É que para o negro a sua cor se eleva ao sentimento de nobreza e pureza, e uma vez rudemente atingido, tão mais grave por ter ocorrido em seu local de trabalho e na presença de testemunhas, importa num sofrimento de maior escala, ensejando sanção reparadora em grau máximo.   
 DO REQUERIMENTO
  
                                                Em face do exposto, requer a Vossa Excelência seja determinada a citação do requerido para querendo contestar a ação no prazo legal, sob pena de revelia, e ao final, ser condenado a pagar à requerente a indenização por danos puramente morais, devendo o quantum indenizatório ser arbitrado por esse MM Juízo, de acordo com a fundamentação retro, acrescido de juros, correção monetária, custas, honorários advocatícios e demais despesas. 
 
                                                Outrossim, protesta provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidos, especialmente a documental, oitiva de testemunhas e depoimento pessoal do requerido.
                                                 Dá a causa o valor de R$ 50.000,00 (Cinqüenta mil reais).                                                              

                                                 Nestes Termos.                               Requer Deferimento.                                                                  Joinville-SC, 26 de maio de 2011                                               LÍVIA  DOS SANTOS DE FAVERI                                                         OAB/SC Nº 19.436   ´´Precata-te para que jamais percas a confiança no Ser Humano,
 o maior investimento da Vida ... Não permitas que a infâmia de alguns te leve a menosprezar o valor da confiança que os Homens se devem mutuamente.´´

(MARIA HELENA CISNE)

  Verifica-se dos autos do procedimento instaurado na fase investigatória, que em seu depoimento pessoal o requerido nega a prática da injúria verbal objeto de investigação, MAS ADMITE QUE XINGOU O AUTOR, o que o faz cair em contradição o que se provará através do depoimento das testemunhas que serão arroladas em momento oportuno.  
                Evidencia-se, portanto, a intolerância do requerido com aqueles que, apesar da herança do passado e, ainda, da discriminação presente, conseguiram ascender, razão pela qual sujeita-se à correspondente sanção.